sábado, 29 de agosto de 2009

Só se deve morrer de puro amor...


Nunca ninguém sabe se estou louco para

rir ou para chorar.

Por isso o meu verso tem

Esse quase imperceptível tremor...

A vida é louca, o mundo é triste:

Vale a pena matar-se por isso?

Nem por ninguém!

Só se deve morrer de puro amor...


Mario Quintana

A casa fantasma


A casa está morta? Não: a casa é um fantasma, um fantasma que sonha com a sua porta de pesada aldrava, com os seus intermináveis corredores que saíam a explorar no escuro os mistérios da noite e que as luas, por vezes, enchiam de um divino assombro... Sim! agora a casa está sonhando com o seu pátio de meninos pássaros. A casa escuta... Meu Deus! A casa está louca, ela não sabe que em seu lugar se ergue um monstro de cimento e aço: há sempre uma cidade dentro da outra e esse eterno desentendido entre o Espaço e o Tempo. Casa que teimas em existir – a coitadinha da velha casa! Eu também nunca consegui afugentar meus pássaros.


Mario Quintana

O ponto de interrogação


Que artista teria inventado o nosso ponto de interrogação? Ele já tem a forma de uma orelha à escuta

As bruxas de pano



As bruxas de pano

Tão maternalmente embaladas

Pelas menininhas pobres

São muito mais belas

Do que as bonecas suntuosas como princesas - orgulho das vitrinas...

Essas humildes bruxas de pano

Com seus olhinhos de conta

Suas bocas tão mal desenhadas a tinta

São mais belas porque mais amadas!


Mario Quintana

sábado, 15 de agosto de 2009

Nomes Feios



Início de mais uma madrugada. Mario chega à pensão em que morava, na Barros Cassal, perto da Avenida Independência, e é mal recebido pelos cachorros. Reage aos latidos com todos os palavrões disponíveis. Na calçada, os pintores Waldeny Elias e Gastão Hofstaetter, que passaram a noite bebendo com ele e vieram deixá-lo em casa, assistem à cena. Em meio à gritaria, abre-se a janela e surge a dona da pensão:
- Mas o que é isso, seu Mario! O senhor, um homem tão culto, dizendo essas barbaridades!
Ele se defende:
- É que a senhora não sabe os nomes que os seus cachorros estão me dizendo…

Canção Azul


Triste, Poeta, triste a florzinha azul que sem querer pisaste no teu caminho...
Miosótis,  disseste, inclinado um instante sobre ela.
E ela acabou de morrer, aos poucos, dentre a relva úmida.
Sem nunca ter sabido que se chamava miosótis.
Nem que iria impregnar, com seu triste encanto,
O teu poema daquele dia...

Mario Quintana

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Que crepúsculo fez hoje!


De uma feita, estava eu sentado sozinho num banco da Praça da Alfândega quando começaram a acontecer coisas incríveis no céu, lá pelas bandas da Casa de Correção: havia tons de chá, que se foram avinhando e se transformaram nuns roxos de insuportável beleza. Insuportável, porque o sentimento de beleza tem de ser compartilhado.
Quando me levantei, depois de findo o espetáculo, havia umas moças conhecidas, paradas à esquina da Rua da Ladeira.
— Que crepúsculo fez hoje! — disse-lhes eu, ansioso de comunicação.
— Não, não reparamos em nada — respondeu uma delas. –– Nós estávamos aqui esperando o Cezimbra.
E depois ainda dizem que as mulheres não têm senso de abstração...
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Mario Quintana

Mudança de Temperatura

Mudança de temperatura

Nos fios telegráficos pousaram uma, duas, três. Quatro andorinhas.
Olham de um lado e outro... Irão partir?
Sobre as cercas rasas do arrabalde, os girassóis espiam como girafas...
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sábado, 1 de agosto de 2009

As nuvens e os sonhos


Rua da Praia

Homenagem a Quintana junto a Carlos Drummond de Andrade na rua da Praia em Porto Alegre.


Drummond tinha um humor poético que confessava e agredia.
Quintana confessava para justamente acalmar a briga.

Se Carlos Drummond mostrou a distorção pela multiplicidade psicológica,
Quintana procurava harmonizar e reunir os cacos da vidraça.

Drummond é desconfiado, de olhar oblíquo.
Quintana é debochado, de olhar confiante.

Drummond é longo como um vício.
Quintana é breve como uma virtude.

Drummond se mostrou engajado nas questões urbanas e urgentes de sua época. Quintana procurou não ser do seu tempo, e sim do seu lugar.

Drummond traz o sentimento de despoder biográfico.
Quintana se articula no sentimento de posse do eu, da vaidade generosa, que se reparte e não se economiza.
O primeiro duvida do espelho, o segundo duvida de quem se vê no espelho.

Drummond se ausentava do poema, tal velório.
Quintana não se ausentava do poema, tal festa de aniversário.

Se Drummond mostrou o embate entre Itabira, sua cidade natal, com as capitais que viveu, expressando a retração do homem simples e seu desconforto metafísico na metrópole,
Quintana achou sua cidade natal, Alegrete, em Porto Alegre. Ele desenterrou Alegrete na capital gaúcha, apresentando um recolhimento interior e apaziguador pelos becos e sobrados, pelas ruas ainda cicatrizando as linhas do bonde. Não houve conflito entre o alto e baixo, ruínas de ventre. Sua cidade residia nos esconderijos atemporais, nos desvãos, nas casas antigas. Porto Alegre bastou-lhe como uma maquete ancestral, um rascunho de mapa. Um impulso para recuar e se destrançar nos labirintos escuros.

Depoimento de Fabrício Carpinejar - poeta e jornalista
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